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As cidades invisíveis

As Cidades Invisíveis
Um ensaio fotográfico sobre cidades e seus valores, arquitetura, multiplicidade e [in]consistência. 
Tudo o que grita e ecoa inspirado e direcionado pela ótica de Ítalo Calvino, no romance de mesmo nome. 
Uma obra metafórica que extrapola a relação indivíduo/território com a intenção de refletir sobre o que nos aproxima ou distancia da cidade, 
do outro, e de nos mesmos em meio a um todo (?)

Kublai pergunta para Marco:
— Quando você retornar ao Poente, repetirá para a sua gente as mesmas histórias que conta para mim? 
— Eu falo, falo — diz Marco —
mas quem me ouve retém somente as palavras que deseja. 
Uma é a descrição do mundo à qual você empresta a sua bondosa atenção, outra é a que correrá os campanários de descarregadores e gondoleiros às margens do canal diante da minha casa no dia do meu retorno, outra ainda a que poderia ditar em idade avançada se fosse aprisionado por piratas genoveses e colocado aos ferros na mesma cela de um escriba de romances de aventuras. 

Quem comanda a narração não é a voz: é o ouvido.  
 — Às vezes, parece-me que a sua voz chega de longe até mim, enquanto sou prisioneiro de um presente vistoso e invisível, no qual todas as formas de convivência humana atingiram o ponto extremo de seu ciclo e é impossível imaginar quais as novas formas que assumirão.
 E escuto, por intermédio de sua voz, as razões invisíveis pelas quais existiam as cidades e talvez pelas quais, após a morte, 
voltarão a existir.
As cidades e o desejo

Belo Horizonte/Brasil
As cidades e o desejo

Há duas maneiras de se alcançar Despina: de navio ou de camelo. 
A cidade se apresenta de forma diferente para quem chega por terra ou por mar.
O cameleiro que vê despontar no horizonte do planalto os pináculos dos arranha-céus, as antenas de radar, os sobressaltos das birutas brancas e vermelhas, a fumaça das chaminés, imagina um navio; 
sabe que é uma cidade,
mas a imagina como uma embarcação que pode afastá-lo do deserto, 
um veleiro que esteja para zarpar, com o vento que enche as suas velas ainda não completamente soltas, ou um navio a vapor com a caldeira que vibra na carena
de ferro, e imagina todos os portos, as mercadorias ultramarinas que os guindastes descarregam nos cais, as tabernas em que tripulações de diferentes
bandeiras quebram garrafas na cabeça umas das outras, as janelas térreas
iluminadas, cada uma com uma mulher que se penteia.
Na neblina costeira, o marinheiro distingue a forma da corcunda de um camelo, de uma sela bordada de franjas  refulgentes entre duas corcundas malhadas que avançam balançando;
sabe que é uma cidade, mas a imagina como um camelo de cuja albarda pendem odres e alforjes de fruta cristalizada, vinho de tâmaras, folhas de tabaco, e vê-se ao comando de uma longa caravana que o
afasta do deserto do mar rumo a um oásis de água doce à sombra cerrada das
palmeiras, rumo a palácios de espessas paredes caiadas, de pátios azulejados onde
as bailarinas dançam descalças e movem os braços para dentro e para fora do véu.

Cada cidade recebe a forma do deserto a que se opõe;
é assim que o cameleiro e o marinheiro vêem Despina, 
cidade de confim entre dois desertos. 

(Ítalo Calvino)
📷 Canon EOS Rebel T5

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